Saturday, March 22, 2008

[skin] Páscoa

Mosteiro dos Jerónimos
Fev. 2008

[skin] Road



Monsanto - 16-03-2008

This might be the road I'll be taking soon.

I'll stop by to pick you up on the way.

[skin] Belief

I don’t believe in many things but I believe in you.
I believe in what I feel when I’m close enough to hear you breathe, to feel you laughing, to smell your smile.
I believe in what I am inside of you. I believe in all those moments that are just flying by in a fraction of a second but seem to last just as long as they should last.
I believe in my skin touching your soul. In your pain touching my fingers. In your silence kissing my eyes.
I believe in the truth that lies beneath.
I believe you are my proof of God’s existence and I’ll never doubt any of it.
Never doubt you.
Ever.

Thursday, March 06, 2008

[skin] Espaço

Qual o lugar que se ocupa quando todo o espaço está selado?
Que espaço se pode comprometer à nossa passagem se não há espaço dentro do espaço?
Não importa realmente para que lado se ousa dar cada um dos passos. Perfeitamente irrelevante. Não há o espaço suficiente e isso basta.
Isso basta por hoje.

Monday, March 03, 2008

Ramo - Gastão Cruz

Talvez eu não consiga quanto amo
ou amei teu ser dizer, talvez
como num mar que tu não vês
o meu corpo submerso seja o ramo
final que estendo já não sei a quem.

Gastão Cruz - 1941 - A moeda do Tempo
in Poemário - Assirio e Alvim - 2007

Monday, February 11, 2008

[skin] Solidão

16h. Domingo. Faz tanto frio que parece permanecer o risco de todas as ideias entrarem em fase de congelação. 16.01h. Ainda é domingo. Quatro paredes. Às 16.02h mantêm-se as quatro paredes. Mais nada. Não sei como. Pensei que havia mais qualquer coisa depois do lugar que ocupo. Vejo que talvez não. Talvez mais alguém. Talvez não. Pego no corpo com intenção de me mover. Talvez sair. Respirar. 16.05h. Talvez sair daqui. Olho para os dois lados de mim. Confiro o número dedos em cada mão. Confirmo a direita e a esquerda. Os dois lados – vazios – de mim. Ameaço o silêncio suspenso pela vertigem do delírio. 16.08h. O tempo a ser a matéria possível da permanência. Podia considerar que tudo é vazio absoluto se não fosse o tempo. Hoje a ser domingo. Ainda é domingo? São 16.10h e a ser demasiado frio para se poder existir só. Não há ninguém aqui. Em nenhuma parte de mim. Olho para os dois lados, só para ter a certeza que vem depois da certeza certa de que não há mais nada neste lugar. Os dois lados da rua. Um passo. Outro passo. O corpo a obedecer à necessidade de movimento. Um banco. Só. Sento-me na certeza de que não há quem chegue depois de mim. Minhas mãos a saberem o frio por dentro. As paredes são mais largas agora que penso que posso respirar. Seguro de novo so dedos. 16.25h. Confiro o número nas mãos. Sinto a madeira a ranger-me no corpo. 16.30h. Porque é que ainda é domingo? Talvez seja a ideia do tempo agora a congelar. O risco a tornar-se certeza. O mesmo silêncio. Aqui o silêncio é o mesmo. Dentro e fora de mim. Constato o saber de uma solidão absoluta. Nenhum outro corpo passa pelo meu. Talvez até já nem esteja a respirar. Retorno ao cubículo de mim. Três paredes. Eu o vértice. Suspenso. Mais um pouco de silêncio e o resto a ser delírio. 16.47h. É só mais um pouco. O corpo a não obedecer. 16.50h. Está frio aqui. Nenhum corpo a passar-me no contar dos dedos nas mãos. Talvez já nem esteja assim...frio. Perco a conta. Sei que ainda é domingo. Sei que o tempo não pára depois do vazio que há em cada um dos lados de mim. 17h. Domingo. Reconheço o que resta de mim. A solidão é inteira. 17.01h. Domingo.

Tuesday, February 05, 2008

[skin] Rumor

Há dias em que quase esqueço porque te deixei ir. Ou porque me deixei ir. A ordem dos factores é totalmente irrelevante dado que nos deixámos ir, ambos.
Quase que esqueço porque sei sempre porquê. E tudo o que dura para sempre é pesado, é rijo, é áspero.
Quase que quero esquecer tudo o que está por detrás da sombra que somos hoje um do outro mas nisso não importa. Não se deve esquecer nada do que nos tornou o que somos hoje. Nada.
Sei porque te deixei ir e isso basta-me.
Talvez tu não saibas. Talvez nunca tenhas sequer chegado a pensar sobre isso mas a verdade é que também tu sabes a razão. Não podia ter sido de outra forma. Por isso não lutaste. Não te contrapuseste aos movimentos que se tornavam cada vez mais frios e distantes. Não opuseste à minha guerra. Não tentaste serenar as marés. E deixaste-te ir. Como se nada fosse. Como se não importasse.
E foi apenas isso que eu pude ver. O que me permitiste ver. Essa possibilidade de fuga, de saída, de partida, sem questões, sem comentários, sem guerrilhas em matos por desvendar. Nada. Nem uma palavra. Nem um gesto. Nada.
Não me deixaste nada a que me pudesse segurar. Em nenhum momento. Talvez uma palavra, um dia, perdida por entre a ebriedade de um momento roubado ao tempo e mais nada. Durante todo este tempo. Mais nada. Como poderia eu ficar no lugar sem chão?
Que parte da minha racionalidade esperavas tu que eu destruísse para me poder deixar ficar? Se soubesses o que sou no que está além de ti terias visto a total impossibilidade dessa permanência ilusória do meu ser na tua ausência. A impossibilidade concreta de eu me manter em lugar nenhum.
Não te conheço.
Não me conheces. Não sabes quem sou. Por isso abandonaste tudo. Não querias saber quem era quando te ouvia rir, quando te lambia as feridas, quando te segurava os dedos, quando te roubava os silêncios. Não querias saber.
Não terá sido difícil seguir. Não estavas por perto. Estavas demasiado longe sequer para me veres na sombra dos dias ou das noites. Demasiado longe sequer para recordares a que sabia a minha solidão. Demasiado longe para sequer pensares sobre o meu nome. demasiado longe para me teres por perto.
Não foi difícil.
Seguiste os caminhos todos que a ilusão te deixou entender qual miragem em deserto abandonado nas areias imensas de todas as coisas que o mundo apresenta para viver. E viveste-as todas. Talvez já nem te recordes do início da viagem mas há um continuum que será sempre teu e onde tuas asas crescem como as árvores na floresta. Por muito tempo. Por muitos anos.
Qual aragem de deserto tu a desenhares as mãos por outras terras, por outros corpos, a seres livre e imenso na forma que é apenas tua de ser e de poder continuar a ser.
Por isso te deixei prosseguir.
Porque eu não sou lugar onde cabe a tua liberdade.
Porque tu não me vês como lugar onde poderia caber a tua liberdade.
Porque eu não te podia mostrar sem dizer palavras que poderias querer ouvir e o que não disse, o que tu não disseste, tornou-se grande demais para cabermos nós no lugar que nos tinha sido reservado.
Eu tinha de te deixar ir.
Não podia ter sido de nenhuma outra forma.
Não há lugar para o tamanho das tuas asas dentro do meu corpo.
E eu não quero esperar pelo que tu nunca vais conseguir dizer.

Tuesday, January 29, 2008

[skin] Oblíquo

Isto que sentes agora pode ser
apenas o começo do que te vais
tornar.
Vento.
Sentes vento dentro da boca.
Tempestade.
Granizo a correr-te entre os dentes
enquanto mordes na pele o sabor
da distância.

Isto que és agora
Pode ser o princípio do que vais
sentir.
Como chuva,
como chuva a ser-te a pele
e nada que consigas ver na clareza dos dias que não chegam.
Sentes o vento dentro da boca e não te manténs fechado.
Queres gritar ao que sabe essa dor
que vem do gelo
que te fere a língua para que todos possamos saber o que te invade a alma
e não podes.

Isto que sentes agora pode ser
apenas o começo do que te vais
tornar.

[skin] Princípio

Ainda que o entendimento da mais ínfima das coisas te garante que estás absolutamente remetido ao lugar mais fino da solidão, não hesites.
Mesmo que entendas que todas as palavras que escreveste não valeram rigorosamente nada, não duvides.
Ainda que as coisas estejam todas fora dos lugares que consideravas como os únicos passíveis de ser entendidos como certos, não penses.
Quando perceberes que não se passou nada que não tivesse acontecido independentemente da tua vontade ou da tua incapacidade de passar os dias sem olhar as noites, não penses que morreste. Este é apenas o princípio da agonia.

Wednesday, January 16, 2008

[skin] Melhor

Se tivesse espaço entre os dedos poderia ter criado membranas para poder nadar. Melhor.
Espaço entre os lugares dentro da cabeça e teria criado viagens outras que não as que fiz sem querer.
Se os pés não fossem pés mas garras, teria podido segurar-me melhor em cada queda.
Se pudesse ter sido outra coisa que não palavra, teria conseguido chegar a prece.
Se tivesse encontrado outro lugar para a minha cabeça, teria sido louco.
Se pudesse ter entregue tudo ao que restava, talvez, mas só mesmo por uma remota mas belíssima hipótese, teria saído de dentro de mim. E isso teria sido bem melhor.

Tuesday, January 15, 2008

[skin] dia

Não posso sentir o mundo enquanto engulo. Não posso pensar em mais nada perante o acto de engolir. Se pensar desvio-me do assunto em causa e posso vir a provocar danos irreversíveis no movimento que lentifico com requintes de dama antiga a caminhar na sombra das árvores despidas. Desvio. Me. Do movimento.

Não posso rir enquanto tiver vontade de correr. Rir seria um acto desastroso para quem intenta fugir sem olhar para trás. Rir é, obviamente, um acto de clara evidência quando se não quer nada mais do que não ser vistouvidosentidoapanhado. Um acto desastroso sem remedeio possível. Por isso jamais poderia exercer o direito ao riso enquanto não completar o acesso de fuga. Depois. Talvez. Desvio. Me.

Não posso esperar enquanto tudo o resto estiver a voar. Em cinzas. Não posso. Esperar. Cheguei ao ponto em que não posso parar e esperar. Esperar não faz sentido porque não há nada a caminho. Desvia. Do. Desviei. Me. Do caminho. Nada. Por isso não posso esperar. Sigo. Desviado.

Friday, January 11, 2008

[skin] 02'07'2007

Diz-me só o que estavas a pensar dizer antes que eu morra. Depois disso nenhuma contradição me pode desdizer. Nenhuma palavra te pode contradizer. E depois eu posso morrer. Tenho esperado sempre por este momento. O momento em que as coisas acabam e eu posso desaparecer como se as coisas acabassem ao ponto de eu poder desaparecer sempre sem poder nunca aparecer no lugar das coisas findas. Não guardes muita coisa para o fim. Já devia sobrar pouco. Devia sobrar já muito pouco visto que os anos já viram tudo o que havia para ser visto com olhos de gente cega que tudo vê. Nenhuma visão te pode distorcer. Nenhuma miopia te pode desvanecer na imagem que tenho de ti. Presa nos cabos. Rasgada nos fios. Aberto para a tempestade que não chega a chegar dado que isto ainda não é um deserto. Há muita areia a correr. Não. A escorrer. Nos dedos mas ainda não é um deserto por mais que queira escorrer. Não. Correr-me por entre os dedos que eu já não tenho presos aos teus cabelos. Soltos. Não. Presos. Presos aos dedos nos cabelos presos. Pretos. Presos. Teus cabelos a moldarem-me as mãos e a prenderem-me o gesto para que eu não mostre. Para que eu não possa mostrar. Nada. Na tempestade que não é tempestade e os braços a fecharem o cabelo preto na morte que anuncia a minha queda. Não na areia porque entretanto já só há água. Porque o vento chega e trouxe o que faltava. A água. Tu. A água. Diz-me só o que estavas a pensar não dizer. Porque eu já morri.

[skin] PerDa

Perdi ao que cheira a tua alma.
Esqueci a que sabe tua solidão.
Deixei para trás os gestos impostos sobre o corpo.
Calei a vontade como se não houvesse voz possível depois do grito.
Queria ter podido deixar teu nome na boca mas esqueci,
esqueci o lugar que a boca tem no chegar a ti e fiquei sem qualquer palavra.
Remeti os gestos ao lugar do não movimento
não disse qualquer palavra. Ficaram todas por dizer.
Aceitei o rumo que meus pensamentos assumiram sem que o autorizasse.
Perdi o cheiro que a tua alma tem mas
lembrei-me, porém, a que sabia. Lembrei-me do gosto. Não inteiro. Por partes. O gosto que a tua alma tinha no meu paladar. Lembrei-me mas não havia lugar para o guardar. Nem o sabor. Nem qualquer uma das partes de ti.
Acreditei que podia, até, vir a esquecer os gestos todos. Como se nunca tivesse havido nada que te conduzisse ao movimento sobre mim. E a ilusão a devastar-me no cheiro da minha alma
padecida
sob teus pés
nus.

Thursday, January 10, 2008

[skin] again

Show me once again where it hurts.
I didn't get it right the first time.

Wednesday, January 09, 2008

[skin] wish


[skin] Colina

Não há vento suficiente aqui. Apesar de ser uma colina – das sete que esta cidade ainda tem na ilusão de que se podem ver – não há vento suficiente.
As árvores estão paradas. Não dançam. Tenta recordar o momento exacto em que o vento parou e não consegue. Tenta acordar a memória para o espaço que ocupava quando o sentiu cessar e não chega ao ponto exacto em que essa memória ainda deixava permanecer uma qualquer recordação. Ainda que breve. Ainda que por apenas um instante. Ainda que por ilusão.
Podia parar e reconhecer os erros da colina. Mas não o fez.
Hesitou na percepção definitiva de que não haveria mais vento a passar por ali e mudou de lugar.
Percorreu todos os caminhos de todos os quilómetros que conhecia, todas as partes da cidade fragmentadas no seu pequeno universo e deu-se tempo. Fechou os olhos percorreu a terra, a estrada, o céu e a água.
Até chegar ao lugar onde o vento nunca parou.

Tuesday, January 08, 2008

[skin] SandScreen


Look inside the sand. Move it closer to your hands and feel how cold they are. Your hands. The sand.

Look down. There is no need for you to stand up now. You can move your feet and that is quite enough. Move the sand closer to your hands as you fall down.

Feel how cold you are. As cold as the sand.

It has your reflection on the screen.

[skin] olhos negros

Não sei porque te olho assim quando os teus olhos parecem o lugar de eternidade onde cabe tudo. O mundo inteiro dentro de ti enquanto te olho. Mas não sei o que ficas a ver quando eu deixo de te olhar. Porque os teus olhos são o mundo. Têm o tamanho do mundo. Cabem em tudo o que houver para ser porque são uma coisa nenhuma ainda completa. Negros. São negros. Porque o negro é como se fosse uma noite a percorrer-te o caminho. Porque as noites não terminam sempre que se quiser. Não terminam. Como tu. Como o lugar que há dentro do teu olhar. E eu queria que tivesses olhado para mim.

Friday, January 04, 2008

[skin] Lugar não Lugar

Segreda-me ao ouvido tudo o que queres fazer. Com todas as letras. Com todos os dedos.
Suspira a ansiedade que o teu corpo guarda e grita meu nome dentro da tua boca.
Toca-me. Vira-me de costas e olha para mim. Depois sai.
Não há lugar para o que tenho no que tu queres.

[skin] Partida

Ele pensava que não podia adiantar. Nada do que fizesse viria a ser o suficiente. Mesmo que tentasse. Mesmo que quisesse.
Era a última semana do ano e pouco havia ainda para tentar. Os cadernos estavam arrumados. As pautas no lugar de sempre. No lugar reservado ao silêncio absurdo do pó. O violoncelo na caixa. Como se nunca tivesse sido tocado. Amado. Abraçado. A caixa a servir de sepulcro à música que o interpretava na própria cabeça vezes e vezes sem conta. A mesma música. A mesma melodia. Vezes intermináveis. Como se fossem conversas sem letras. Sem palavras. Diálogos a uma só voz. Uma só melodia. Com o violoncelo guardado com as cordas de fora. Na caixa.
Era a última semana do ano e as folhas caíam das árvores. Altas. Fora de tempo. Amarelas. Acastanhadas - como se acastanhado pudesse ser uma cor. Secas. As folhas a caírem na suavidade do frio. Do vento. Durante a noite. Ele sabia. Fechava os olhos e ouvia as folhas sobre a música. Umas no chão. Umas sobre as outras. Na música. Na sua cabeça. Sobre o seu tormento. Uma a uma, ele sabia.
Recordava-se dela de cada vez que chegava ao jardim. Pousava os pés no quebrar dessas folhas outrora caídas como se não tivessem tido outro lugar a pousar que não o lugar em que os seus pés tentavam desenhar um caminho possível de continuar. Amarelas. Sentia-lhes o odor. Avançava, na precaução serena de quem reconhece a proximidade da morte, como que a medir o tempo que passava sobre a música que seu corpo entoava e tentava contar as folhas. Todas. Uma a uma. Fazer uma estimativa aproximada de quantas seriam naquele fragmento de espaço quem que se reconhecia como ser demenciado na solidão inóspita de uma manhã de Inverno.
Era a última semana do ano e tinha já quase tudo pronto. Sentia que tinha arrumado o maior lugar da sua vida. Ou o maior espaço da sua vida. Ou talvez, até, o maior tempo da sua vida. Pelo menos o único em que se reconheceu. Em que se soube. Em que sentia o sangue a correr e o respirar a querer manter-se como se pudesse vir a tornar-se ser eternizado na magia da pele dela. Ela. Tinha-a quase toda arrumada na sua vida. Da sua vida. Sob as folhas sob os pés. Acastanhado a poder tornar-se uma cor agora que a viabilidade de tudo estar ano seu lugar se começava a tornar cada vez mais efectiva.
Naquele jardim passara muito tempo do tempo passado naquele tempo em que ter tempo era condição de existir. Com ela. Ali a ouvira cantar o vento. Ali lhe tinha tocado a voz nas cordas com os dedos abertos às feridas que chegavam depois do êxtase. Ali ela haverá dançado no seu corpo qual nota a amar a pauta. O amor a ser lugar possível de existir. Sem palavras. Sem ter que dizer palavras porque as palavras a música e a música o segredo por detrás do silêncio de quem não sabe dizer o tanto que é maior que tudo e que corre no corpo indomável, inexprimível, incontornável. Inevitável eternizar de um sentir maior que todos os sentires e que aquelas árvores testemunharam sem pudor.
Ela a ser o lugar reservado àquele jardim por onde hoje arrasta a sua existência. Sem o seu corpo a dançar. Sem dedos nas cordas. Mas a música a ser o agonizar dentro da sua cabeça. A certeza da solidão incomensurável.
Em cada passo que ousava ceder ao corpo contabilizava a possibilidade de existirem ali mais que dez mil folhas. Como se dez mil folhas pudessem ser uma imagem como a que agora fingia poder estar a ver quando os seus olhos, fechados na inesperada fluidez das lágrimas, nada viam para além da imagem dela.
Pensou na casa. Tudo arrumado. Quase.
Era a última semana do ano e fazia precisamente dois meses que ela partira. Nas asas de anjos, lhe disseram. Nas asas de anjos como se os anjos pudessem ter asas com força suficiente para a transportar no vento frio do Inverno. Dois meses. Ela iria a dançar. Certamente. E a cantar. E talvez a dizer o nome de quem o tempo que passou tornou vida na serenidade dos dias vividos no jardim, no segredo que só as árvores poderiam guardar, duas solidões feitas uma vida inteira naquele segredo. Duas músicas a serem lugar de poesia não passível de ser lida pelos transeuntes. Não. Não havia palavras possíveis. Não havia lugar a mais ninguém. Nenhum passado. A impossibilidade de haver futuro. Duas solidões a fazerem magia.
Dois meses e a caixa do violoncelo fechado para o mundo.
Dois meses e as janelas da casa a segredar o silêncio de quem não sabe o mundo.
Dois meses e a melodia incessante na sua cabeça e a incapacidade dos dedos se moverem.
Era a última semana do ano.
Eram dez mil as folhas sob os seus pés. Contou às árvores o último segredo.
Retornou a casa.
Era a última semana do ano.
Agora estava tudo arrumado.
Os anjos, de asas abertas, não tardariam a chegar. E ele em silêncio. Com a música dentro de si se deixaria levar. Porque, afinal, há a força de dez mil folhas em cada asa de cada anjo.

[skin] tentação da queda completa

Há chuva a ceder à tentação eterna da queda. Não tentes parar o que não pode ser parado. A chuva é uma ave selvagem que não conhece o mundo sem asas. Como se voar fosse a possibilidade única da continuidade da existência. Não podes prender a chuva. Ela acabaria por morrer. Agora parece que não vai parar nunca. Mas terá de parar. O cansaço é resultado inevitável da existência que se ousa remeter á ilusão da viabilidade da permanência eternizada. Nunca. A permanência é um nunca realizável. Possível. Permitido. Todas as aves cessam o voo. Um dia. Quando tudo estiver terminado. Assim será a chuva. Quando tudo estiver terminado. Em breve, muito em breve. Não temas. Nada dura sempre. O cansaço instala-se por dentro, bem no fundo e não permite que se avance mais. A chuva vai cessar seu voo. Quando tudo estiver completo.

Tuesday, November 13, 2007

[skin] Tentativa

Não estás. Quando olho para o lado. Não estás.
Respiro e tenho a certeza. Sinto o cheiro e volto atrás. Tenho a certeza.
Tenho asas a cobrir-me o corpo e sei. Fecho os olhos. Sei.
Não estás. Quando olho para trás. Nunca.
De cada vez que penso saber continuar o caminho tropeço nos dedos e quedo. Sei. Que quedo. E mesmo assim não tem importância. A dúvida a ser a única certeza possível e daí não sei mexer mais os membros.
Tento andar. Olhar para o lado. Fechar as asas. Parar. Sei. Tenho a certeza. Nunca estás.

Monday, November 12, 2007

[skin] A quem partiu

Os anos que passam são como as folhas de Outono. As de antigamente. O Outono que ainda era Outono e as árvores se despiam ao vento na ânsia de poder recuperar, mais tarde, a sua pele mais viva.
Os anos são as folhas. Talvez nós sejamos o vento. O que passa. O que fica. O que permanece. E o que encobre. O tempo encoberto e a debilidade das quedas por entre as folhas.
E as árvores também morrem. E as árvores também choram. E as pessoas desaparecem da nossa vida, da vida de todos os dias vivida na pressa de chegar ao lugar, a um qualquer lugar a que sem não conhece o nome. E um dia chega-se ao lugar de todos os dias e percebemos a falta. A lacuna. A ausência. As pessoas desaparecem da nossa vida como folhas levadas no vento. No tempo.
Pessoas que estavam ali. Num lugar sobejamente conhecido porque intrinsecamente dissecado. Pessoas a olharem-nos de frente e a verem o seu reflexo em nós. Beleza. A beleza de todos os dias feios.
Um tempo. O pedido de um tempo. Para saber mais. Para conhecer mais. E o tempo a levar no vento o pedido. Por entre o rir. Por entre o falar. Palavras e mais palavras por entre sorrisos verdadeiros. A brincar. De verdade. Como crianças. Árvores a vestirem-se no chegar da primavera. Uma nova pele. Um novo começo.
E tu a partires.
Hoje.
Na fealdade de um dia verdadeiramente verdadeiro.
Tua ausência e tua distância a recordarem o tamanho do vento. Do tempo. Das folhas no caminho que já não vamos continuar a percorrer.
As folhas a desenharem-te a face – doente mas viva – no rir dos dias feios mas verdades incondicionais.
Conhecias bem o caminho que te conduzia. Por entre as folhas. Ao colo do vento. E chegaste onde querias. O lugar a que deste teu nome. Mário. Teu nome. No vento que me diz que há verdade no recomeço.
R.I.P.