Monday, April 30, 2007

[skin] travessia

Assedia-me a vontade de correr. Talvez dentro de momentos eu possa ceder à luxúria e despir-me de toda a roupa que transporto. Talvez possa caminhar descalço sobre a pedra até queimar de frio. Talvez possa sentir dor a agudizar-se por dentro.
Continuo à espera. De ti. Do que resta de ti em mim. E nada disso faz sentido. Ainda assim é isto que acontece. Eu sentado de costas para a parede. Uma cadeira vazia de todas as coisas que eu fui, que eu era, que eu amava quando estava contigo.
Agora falo em silêncio contra mim. Coloco todas as perguntas que não me deixaste fazer e deixo-as em suspenso. Talvez a resposta chegue pelo ar. Talvez eu, já nú, me possa virar de frente para a parede e te encontre. E me encontre.
Esperei que as chuvas cessassem. Que o deserto retornasse ao ponto da fusão. Todos os liquidos a evaporarem. Todos os restos da chuva a anunciarem o fim do frio. O início do tormento veraneio. Esperei que a chuva partisse para ter a certeza. Depois da certeza, esperei que o calor me assombrasse ao ponto da vertigem para passar a crer. Depois, ainda esperei que a vertigem me laminasse e me fizesse cair para poder sentir as dores inteiras do corpo magoado e mais nada. Depois disso, esperei que o corpo retomasse o lugar na cadeira – sempre de costas para a parede vazia – e reiniciasse o gesto de esperar. E depois esperei esperar. E esperei. E permaneci na espera até esquecer porque ainda esperava.
Estava tudo ali. À minha frente. Nas minhas costas a parede talvez não vazia. O meu corpo nú na espera. E tudo ali. Tão presente naquele lugar em que decidi parar. Tudo tão presente.
Retirei as questões da suspensão. Coloquei-as sobre o colo primeiro. Depois sobre o peito. Depois junto à testa. Depois junto à boca. E não esperei mais para poder responder. Dentro da boca as respostas a darem sentido às perguntas. As questões suspensas na espera da resposta a serem respondidas pela espera. E aí a liberdade dos espaços por devastar. A dimensão dos vazios por encerrar. A visão de uma beleza tremenda do abismo onde retornar. Todas as perguntas respondidas agora que a parede já não está vazia na minha frente. E mais nenhum gesto à espera. E a dor a agudizar no corpo despido.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Suspensos, agarrados sem querer a um porvir e a um sido, de olhos postos sempre num horizonte que não se concretiza... a travessia e a espera, essas flores da eterna Primavera, o anúncio do Outuno...

1:35 PM  

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