Friday, January 12, 2007

[skin] Achas que vai começar a chover?

Achas que se eu conseguir chorar vai começar a chover?
Sentes que se eu deixar que o frio termine aqui, pode haver orvalho na madrugada em que te souberes levantar?
Pode haver alguma certeza se eu tentar com a força suficiente?
Já não há terra aqui. As paredes são de aço. Frias como aço. Frio como eu. Nada de orvalho.

Achas que se eu conseguir tocar-te – de novo – o mundo deixa de cair?
Pode a gravidade suavizar a sua força se eu me permitir parar um minuto para tentar respirar?
Queres que deixe de contar os grãos de areia que cedem lugar aos rios para que possas abrir os olhos?
Não há tecto nem paredes. Só folhas secas. Antes do rio cheio de pedras nos bolsos. O rio que se afoga em si. Respira. Não respira.

Achas que devo falar para que abandones a ilusão de que o silêncio é tudo o que resta depois do vazio que sentes?
Consideras a possibilidade de me deixar segredar-te ao ouvido a vontade que sinto de ceder tudo ao desvanecer do dia, no momento exacto em que o crepúsculo é tudo o que pode ser?
Queres que cesse de morrer para poder ser a tua vez de respirar?
As palavras não tiveram espaço para serem coisas. Nem as folhas junto ao rio chegaram a ser. Restou sempre o frio. Aço. Como eu.

Achas que o que me corre nas veias é sexo mastigado na lúxuria do sangue que te escorre nos dedos ou tudo não passou da possibilidade de eu ser um sonho de ti?
Pode o tempo responder às perguntas que sempre foram espinhos e que nunca apanhámos as rosas que não chegaram a nascer na terra que pisámos descalços na plenitude do in(f)verno?
Queres que permaneça delírio teu no espaço reservado ao que te é mais fácil de não querer ver e me abandone no recanto mais profundamente onírico da tua dor?
Crucifixo. Sou o teu crucifixo. E não me olhas. E temes. Só vês o rio e eu cheio de pedras nos bolsos. Eu a nadar contra a corrente fria e inversa ao lugar onde cessaste o caminho. Aço com pedra nos bolsos. Eu.

Pode o sonho sossegar as chagas que te lavram a pele rasgada no vidro que foi tu’alma embaraçada no tremor do vento frio deste in(f)verno?
Achas que se eu te tocar tu sobrevives à investida? Achas que vais saber quando tudo o que vês é a minha vontade de desaparecer deste lugar inteiro?
E começas a pôr-me as pedras nos bolsos. E a chamar o rio. E a sentires o frio que me corre no teu pecado. Que é sangue teu. Que é o sexo teu. Que é o frio de dentro de mim.

Achas que o rio é suficiente? Aço nas pedras. Pedras em mim. Grãos de areia tornada rio que me cobre os pés, que me fecha os olhos, que me deixa cair, que me deixa ficar, que me deixa desaparecer de vez. Em ti. De ti. No teu sangue. No teu pecado. Eu a ser aço. Sempre. Teu lugar reservado ao sonho. Tua pele sagrada no vidro. Minha cegueira crucificada revelada no teu delírio. Minha morte no teu respirar.

Achas que se eu conseguir chorar pode começar a chover?

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