Monday, February 11, 2008

[skin] Solidão

16h. Domingo. Faz tanto frio que parece permanecer o risco de todas as ideias entrarem em fase de congelação. 16.01h. Ainda é domingo. Quatro paredes. Às 16.02h mantêm-se as quatro paredes. Mais nada. Não sei como. Pensei que havia mais qualquer coisa depois do lugar que ocupo. Vejo que talvez não. Talvez mais alguém. Talvez não. Pego no corpo com intenção de me mover. Talvez sair. Respirar. 16.05h. Talvez sair daqui. Olho para os dois lados de mim. Confiro o número dedos em cada mão. Confirmo a direita e a esquerda. Os dois lados – vazios – de mim. Ameaço o silêncio suspenso pela vertigem do delírio. 16.08h. O tempo a ser a matéria possível da permanência. Podia considerar que tudo é vazio absoluto se não fosse o tempo. Hoje a ser domingo. Ainda é domingo? São 16.10h e a ser demasiado frio para se poder existir só. Não há ninguém aqui. Em nenhuma parte de mim. Olho para os dois lados, só para ter a certeza que vem depois da certeza certa de que não há mais nada neste lugar. Os dois lados da rua. Um passo. Outro passo. O corpo a obedecer à necessidade de movimento. Um banco. Só. Sento-me na certeza de que não há quem chegue depois de mim. Minhas mãos a saberem o frio por dentro. As paredes são mais largas agora que penso que posso respirar. Seguro de novo so dedos. 16.25h. Confiro o número nas mãos. Sinto a madeira a ranger-me no corpo. 16.30h. Porque é que ainda é domingo? Talvez seja a ideia do tempo agora a congelar. O risco a tornar-se certeza. O mesmo silêncio. Aqui o silêncio é o mesmo. Dentro e fora de mim. Constato o saber de uma solidão absoluta. Nenhum outro corpo passa pelo meu. Talvez até já nem esteja a respirar. Retorno ao cubículo de mim. Três paredes. Eu o vértice. Suspenso. Mais um pouco de silêncio e o resto a ser delírio. 16.47h. É só mais um pouco. O corpo a não obedecer. 16.50h. Está frio aqui. Nenhum corpo a passar-me no contar dos dedos nas mãos. Talvez já nem esteja assim...frio. Perco a conta. Sei que ainda é domingo. Sei que o tempo não pára depois do vazio que há em cada um dos lados de mim. 17h. Domingo. Reconheço o que resta de mim. A solidão é inteira. 17.01h. Domingo.

Tuesday, February 05, 2008

[skin] Rumor

Há dias em que quase esqueço porque te deixei ir. Ou porque me deixei ir. A ordem dos factores é totalmente irrelevante dado que nos deixámos ir, ambos.
Quase que esqueço porque sei sempre porquê. E tudo o que dura para sempre é pesado, é rijo, é áspero.
Quase que quero esquecer tudo o que está por detrás da sombra que somos hoje um do outro mas nisso não importa. Não se deve esquecer nada do que nos tornou o que somos hoje. Nada.
Sei porque te deixei ir e isso basta-me.
Talvez tu não saibas. Talvez nunca tenhas sequer chegado a pensar sobre isso mas a verdade é que também tu sabes a razão. Não podia ter sido de outra forma. Por isso não lutaste. Não te contrapuseste aos movimentos que se tornavam cada vez mais frios e distantes. Não opuseste à minha guerra. Não tentaste serenar as marés. E deixaste-te ir. Como se nada fosse. Como se não importasse.
E foi apenas isso que eu pude ver. O que me permitiste ver. Essa possibilidade de fuga, de saída, de partida, sem questões, sem comentários, sem guerrilhas em matos por desvendar. Nada. Nem uma palavra. Nem um gesto. Nada.
Não me deixaste nada a que me pudesse segurar. Em nenhum momento. Talvez uma palavra, um dia, perdida por entre a ebriedade de um momento roubado ao tempo e mais nada. Durante todo este tempo. Mais nada. Como poderia eu ficar no lugar sem chão?
Que parte da minha racionalidade esperavas tu que eu destruísse para me poder deixar ficar? Se soubesses o que sou no que está além de ti terias visto a total impossibilidade dessa permanência ilusória do meu ser na tua ausência. A impossibilidade concreta de eu me manter em lugar nenhum.
Não te conheço.
Não me conheces. Não sabes quem sou. Por isso abandonaste tudo. Não querias saber quem era quando te ouvia rir, quando te lambia as feridas, quando te segurava os dedos, quando te roubava os silêncios. Não querias saber.
Não terá sido difícil seguir. Não estavas por perto. Estavas demasiado longe sequer para me veres na sombra dos dias ou das noites. Demasiado longe sequer para recordares a que sabia a minha solidão. Demasiado longe para sequer pensares sobre o meu nome. demasiado longe para me teres por perto.
Não foi difícil.
Seguiste os caminhos todos que a ilusão te deixou entender qual miragem em deserto abandonado nas areias imensas de todas as coisas que o mundo apresenta para viver. E viveste-as todas. Talvez já nem te recordes do início da viagem mas há um continuum que será sempre teu e onde tuas asas crescem como as árvores na floresta. Por muito tempo. Por muitos anos.
Qual aragem de deserto tu a desenhares as mãos por outras terras, por outros corpos, a seres livre e imenso na forma que é apenas tua de ser e de poder continuar a ser.
Por isso te deixei prosseguir.
Porque eu não sou lugar onde cabe a tua liberdade.
Porque tu não me vês como lugar onde poderia caber a tua liberdade.
Porque eu não te podia mostrar sem dizer palavras que poderias querer ouvir e o que não disse, o que tu não disseste, tornou-se grande demais para cabermos nós no lugar que nos tinha sido reservado.
Eu tinha de te deixar ir.
Não podia ter sido de nenhuma outra forma.
Não há lugar para o tamanho das tuas asas dentro do meu corpo.
E eu não quero esperar pelo que tu nunca vais conseguir dizer.